segunda-feira, 6 de novembro de 2017

CATALUNHA | Qual normalidade, Rajoy?



Sofia Lorena*

A intervenção do Governo espanhol na Catalunha justificou-se com a necessidade de “repor a legalidade” e “devolver aos catalães a normalidade” interrompida pelo desafio dos independentistas. Uma semana depois da entrada em vigor dos decretos de aplicação do artigo 155 da Constituição, com a dissolução do parlamento autonómico e a destituição da Generalitat, nas casas e ruas da Catalunha há tudo menos normalidade.

“E se volta a ganhar o independentismo?”, pergunta no seu “blogue contra a DUI” (declaração unilateral de independência) o insuspeito Lluís Bassets, director-adjunto do El País. “Como no banho turco passamos da água a ferver à água gelada”, começa Bassets. “Numa semana pensamos que vamos entrar numa nova normalidade e na seguinte regressamos à tensão máxima. De novo, pesa mais a política das emoções, impulsionada pelo encarceramento de meio governo e a fuga da outra metade”, descreve.

Se é compreensível que Carles Puigdemont, na sua estratégia de defesa, exija saber de Madrid se vai respeitar os resultados das eleições autonómicas marcadas para 21 de Dezembro na Catalunha por Mariano Rajoy, já é menos normal que Bassets precise das mesmas garantias. “Partimos do princípio, a respeito do qual se necessitariam de esclarecimentos bem explícitos por parte da Moncloa, do levantamento do artigo 155 no dia seguinte às eleições”.

Com os saltos entre banhos de água gelada e queimaduras de água a ferver que se prepararam para as próximas semanas, não vale a pena fixarmo-nos demasiado em cada sondagem. Certo é que Rajoy perdeu depressa o respeito e o capital político que conseguira ao transformar o recurso a um artigo muito polémico numa transferência de poderes aparentemente serena e minimizada pela convocatória rápida de eleições. Cansados e confusos, os independentistas só se manifestaram de forma simbólica e a mobilização doutros tempos parecia ter ficado no passado.

Tudo isto desapareceu na quinta-feira, quando a juíza Carmen Lamelas decretou prisão preventiva para o vice-presidente de Puigdemont e líder da ERC, Oriol Junqueras, e oito dos seus ex-conselheiros. A juíza, claro está, é independente. Já o Procurador-Geral que pediu a prisão preventiva “deve obedecer ao Governo em assuntos de Estado”, escreve Joan Tapia, veterano jornalista catalão, ex-director do jornal La Vanguardia, nas páginas do diário El Periódico. A Catalunha “é um assunto de Estado”, insiste.

Tapia sublinha a contradição entre duas decisões judiciais quase simultâneas – enquanto Lamelas mandava meio governo para a prisão, o Tribunal Supremo dava aos seis membros da Mesa do Parlamento catalão uma semana para preparar as suas declarações, uma vez que tinham sido notificados com pouco mais de 24 horas de antecedência.

Há poucos dados adquiridos na Catalunha destes dias. Segundo uma sondagem do La Vanguardia, 80% dos eleitores planeiam ir às urnas em Dezembro. A semana passada, vários analistas garantiam ao PÚBLICO que a participação de 77%, de 2015, nunca seria ultrapassada. Confusos com a fuga de Puigdemont para Bruxelas e a incapacidade para aplicar a independência proclamada, os independentistas poderiam ficar em casa. Agora, com os seus eleitos na prisão, as organizações soberanistas marcam mobilizações diárias e já planeiam uma visita a Bruxelas.

“Os possíveis erros de cálculo do soberanismo são sempre legitimados pela reacção, cega de vingança, do Governo e da Justiça espanhóis”, escreve no diário independentista Ara a directora, Esther Vera. Com o regresso da indignação, “tudo se voltou a envenenar e há questões inquietantes sobre a identidade do agente provocador”, conclui Tapia. “É o pior do pior”.

*em Análise/opinião | Público

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