domingo, 23 de abril de 2017

O MEU VOTO EM FRANÇA


Afonso Camões* | Jornal de Notícias | opinião

Não votamos no país que inventou a Esquerda e a Direita na política. Mas o resultado das eleições presidenciais de hoje, em França, é também assunto nosso. Não apenas pelo mais de um milhão de portugueses que lá vivem, mas sobretudo porque o desfecho condicionará o futuro da União Europeia tal como a conhecemos.

São onze candidatos, e as últimas sondagens dão empate técnico aos primeiros quatro: a nacional-populista Marine Le Pen, o conservador François Fillon, o centrista Emmanuel Macron e o esquerdista Jean-Luc Mélenchon. Entre eles, está tudo em aberto. Nos quase 60 anos que leva a quinta república fundada por De Gaulle, é a primeira vez que tantos candidatos chegam à ponta final em condições de se qualificarem para a segunda e decisiva volta, a 7 de maio. Pela primeira vez, também, à Esquerda e à Direita, é seguro que nenhum dos candidatos dos principais partidos lá chegará.

A crise francesa, filha do vazio político europeu, estilhaçou a sociedade e também os partidos tradicionais que governaram nas últimas décadas. Em França, tal como na Grécia, em Espanha, em Inglaterra e na Holanda, a principal vítima são os socialistas. François Hollande, o presidente cessante, é o rosto do desencanto da social-democracia europeia. E o facto de não se ter recandidatado é a assunção do seu próprio fracasso, deixando órfão um partido cujo candidato oficial, Benoît Hamon, não chega sequer aos 10% nas sondagens.

Do outro lado, animadas pelas vitórias de Trump nos Estados Unidos e do Brexit no Reino Unido, todas as previsões apontam para que a candidata da extrema-direita, Marine Le Pen, ganhe a primeira volta ou que, pelo menos, se qualifique para a segunda. Mas não o suficiente para chegar ao Eliseu, que requer maioria absoluta. Pouco proporcional, o sistema eleitoral francês, sempre a duas voltas, é a chave da exclusão desta Frente Nacional contra quem, até agora, todos se têm aliado para a afastar da órbita do poder. Xenófobo, anti-imigrantes, antiglobalização e antieuropeísta, o partido de Le Pen obteve um quarto dos votos nas mais recentes eleições, mas continua marginal. Apesar de ser o mais votado na primeira volta das eleições de 2015, em seis das 13 regiões, não controla nenhuma delas, governando apenas em 14 dos 36 mil municípios do país...

Na expressão feliz de um historiador gaulês, "à primeira volta os franceses votam no seu candidato, e à segunda elegem o seu presidente". Sobra um detalhe que diz tudo sobre o que está em jogo nesta eleição: entre os principais candidatos, há um único assumidamente europeísta. É um filho do sistema, o que sobra dele.

*Diretor do JN

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