A
casa de Manoel de Oliveira, no Porto (Portugal) foi hoje vendida em hasta
pública por 1,58 milhões de euros. Comprador? O empresário e coleccionador de
arte Sindika Dokolo, casado com a empresária angolana Isabel dos Santos, filha
do Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, há 36 anos no
poder sem nunca ter sido nominalmente eleito.
Oactivo
foi comprado pela Supreme Treasure, gerida por Mário Leite da Silva,
representante da empresária angolana Isabel dos Santos e vai ser a nova sede da
Fundação Sindika Dokolo para a Europa.
“O
edifício foi adquirido em hasta pública pela Sociedade Supreme Treasure e vai
constituir-se como um hub da Fundação e um espaço de reflexão e aprendizagem
para jovens artistas”, diz o comunicado.
“Ao
estabelecer-nos num edifício como a Casa Manoel de Oliveira, em plena Foz
portuense, estamos a afirmar a nossa intenção em contribuir para tornar o Porto
ainda mais cosmopolita e mais cultural. Neste espaço vamos promover redes de
reflexão artística e fortalecer laços entre Portugal e Angola, a Europa e
África, numa ode à Arte enquanto elemento unificador de povos e países” –
refere Sindika Dokolo, presidente da Fundação.
O
presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, velho amigo de Sindika Dokolo a
quem, aliás, atribuiu a Medalha de Ouro da cidade, disse – citado pela Lusa –
que a venda da casa “é mais do que um alívio” porque “existia uma preocupação
grande” por estar “ao abandono”, pelo que “além do interesse monetário” da
venda.
O
edifício idealizado há duas décadas para acolher o espólio do realizador
português foi hoje vendido pela autarquia do Porto numa segunda hasta pública,
depois da primeira, em 2014, não ter recebido propostas.
A
colecção de arte da Fundação Sindika Dokolo é composta por mais de 3.000 obras,
entre pinturas, gravuras, fotografias, vídeos e instalações, da autoria de 90
artistas, de 25 países, e foi já apresentada em alguns dos principais palcos da
Arte no mundo, como a ARCO, em Madrid, a Bienal de Veneza e o Espaço OCA, em
São Paulo.
Vale
(mesmo) tudo
Recorde-se
que o Executivo da Câmara Municipal do Porto, presidido por Rui Moreira,
distinguiu Sindika Dokolo com uma medalha de mérito. Só faltará agora dar o
nome de José Eduardo dos Santos à Avenida Boavista. Aliás, há muita boa gente a
sugerir também que a Ponte da Arrábida passe a chamar-se Ponte Isabel dos
Santos…
Na
altura, a vereadora do PS na Câmara do Porto, Carla Miranda, deu uma no cravo e
outra na ferradura ao criticar o princípio subjacente à decisão de atribuir a
medalha de Mérito Grau Ouro ao dito coleccionador de arte.
Numa
atitude de gato escondido com rabo de fora, a vereadora do PS votou
favoravelmente esta proposta mas – repare-se – tinha “dúvidas se será
suficiente para receber esta medalha apenas vir ao Porto divulgar o seu
património”.
“Existe
um regulamento para atribuição de medalhas e para as de mérito é bem claro: ela
deve ser dada a quem tenha praticado actos com assinaláveis benefícios para a
cidade. Precisaríamos de mais benefícios para a cidade e para a população para
lhe atribuir esta medalha”, disse a vereadora socialista.
Que
maior acto de benefício para a cidade do Porto em particular, e em geral para
todo o país, do que ser genro do presidente no poder desde 1979? Ou marido de
uma multimilionária que começou a ganhar umas massas vendendo ovos nas ruas de
Luanda?
Sindika
Dokolo nasceu no antigo Zaire, actual República Democrática do Congo, e foi
educado pelos pais na Bélgica e em França, tendo começado aos 15 anos a
constituir uma colecção de obras de arte, por iniciativa do pai, refere o texto
laudatório, bajulador e servil da autarquia.
“Em
Luanda, constituiu a Fundação Sindika Dokolo, a fim de promover as artes e
festivais de cultura em Angola e noutros países, com o objectivo de criar um
centro de arte contemporânea que reúna não apenas peças de arte contemporânea
africana, mas que, além disso, providencie as condições e actividades
necessárias para integrar os artistas africanos nos círculos internacionais do
mundo da arte”, acrescenta o panegírico submisso e de clara bajulação da Câmara
Municipal do Porto.
A
justificação apresentada por Rui Moreira, um cada vez mais visível apologista
da autocracia do seu amigo Eduardo dos Santos, para tão importante distinção a
alguém que não tem qualquer ligação à cidade foi – repita-se – a de ir
patrocinar a apresentação da exposição “You Love me, You love me not”.
Rui
Moreira disse ainda que “com este gesto de grande generosidade, Sindika Dokolo,
permite à cidade do Porto desenvolver um dos projectos mais relevantes no
âmbito da arte contemporânea da actualidade, ajudando a estabelecer uma ponte
singular entre a cidade e o mundo”.
Por
este andar não tardará que o MPLA retribua com a atribuição a Rui Moreira da
medalha da democracia e do Estado de Direito que Angola não é.
Nos
negócios, faceta que é muito cara a Rui Moreira, o marido de Isabel dos Santos
tem sucesso, mesmo quando as transacções são opacas. Em 2014, a revista Forbes
revelou que Isabel dos Santos, através de Sindika Dokolo, em parceria com o
Estado angolano, adquirira a joalharia suíça De Grisogono, uma marca conhecida
por ter como clientes grandes estrelas mundiais do cinema e da moda, como
Sharon Stone e Heidi Klum, num negócio pouco claro, que permitiria a
canalização dos diamantes angolanos para aquela joalharia.
Em
Novembro de 2013, Rafael Marques, em entrevista à Deutsche Welle, explicou que
“este negócio não envolveu um centavo da família presidencial, é em troca de
diamantes angolanos”, frisando que “temos aqui um processo em que os diamantes
angolanos estão a beneficiar directamente a família presidencial e não os
cofres do Estado”.
É
caro que, como diz Rafael Marques, “a elite angolana, para saquear o país à
vontade, precisa do apoio de Portugal. Mas Portugal tolera isso, porque é a
forma que encontrou de ser chamado para participar do saque de Angola”.
E
do ponto de vista da Câmara Municipal do Porto, o importante não são os milhões
de angolanos que passam fome mas, isso sim, os poucos membros do clã
presidencial que têm milhões e que, com isso, tanto compram joalharias,
jornais, medalhas ou… lavandarias.
Folha
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