Rafael
Marques de Morais, 5 de Abril de 2012 – Maka Angola
A
construção da UnIA teve o envolvimento formal do Ministério da Educação, órgão
tutelado por António Burity da Silva e Pinda Simão, através da sua Delegação
Provincial de Luanda, que remeteu, junto do Governo Provincial de Luanda, o
pedido formal para a realização de obras numa escola primária pública. Foi
precisamente nesse local, o Morro Bento, em Luanda, que se ergueu a UnIA.
Conforme
documentos analisados a 30 de Março de 2004, o Delegado Provincial de Educação
de Luanda, André Soma, remeteu à Direcção dos Serviços de Planeamento e Gestão
Urbana (DSPGU), do Governo Provincial de Luanda um ofício (n.º
0117/GAB/DP/2004) solicitando uma licença para “obras de melhoramento e
restauro de Escola Primária Pública”.
Por
sua vez, com celeridade extraordinária, no mesmo dia, a 30 de Março de 2004, o
director do DSPGU, Joaquim Israel Marques, concedeu autorização para a
realização das seguintes obras na referida escola:
“Picagens,
reboco, pintura interior e exterior, substituição e impermeabilização de
cobertura;
Substituição
dos pavimentos, dos azulejos, da loiça sanitária e equipamentos de cozinha;
Reparação
ou substituição de redes domiciliares de esgoto, água e electricidade.”
O
DSPGU mais esclareceu, ao conceder a licença de obras, “que não está autorizada
qualquer intervenção na parte estrutural do imóvel e que as obras serão
fiscalizadas pelos serviços competentes”.
Após
a sua construção, dois anos antes, a referida escola primária manteve-se
encerrada por ordem da Delegação Provincial de Educação, e a sua estrutura
votada ao abandono. Todavia, o delegado provincial André Soma detinha o
controlo particular do terreno escolar e aproveitava para ali estabelecer uma
pocilga, gerindo assim um pequeno negócio privado de criação de porcos. Alguns
cidadãos usavam também as instalações para guardar animais, que depois seguiam
para o matadouro, do outro lado da rua.
Conforme
informação prestada por alguns entrevistados, André Soma agiu como o principal
testa-de-ferro do seu então superior hierárquico, António Burity da Silva, na
articulação com os empreiteiros que ergueram a universidade, ao invés de
procederem à reabilitação da escola primária pública. Meses mais tarde, recebeu
da DEA, a 20 de Setembro de 2004, a soma de US $6,340, transferida para a sua
conta privada no Banco de Fomento de Angola. Entidades envolvidas no processo
afirmam que André Soma havia concedido ilegalmente o terreno da escola pública,
que se encontrava sob sua tutela e que ocupava com o seu negócio pecuário, na
expectativa de se fazer sócio da universidade. No entanto, uma vez consolidado
o projecto, os seus superiores hierárquicos, António Burity da Silva e Pinda
Simão, decidiram mantê-lo apenas no cargo de delegado provincial de Educação,
que exerce há mais de vinte anos.
Por
sua vez, donos de consideráveis fortunas depositadas em paraísos fiscais,
através de offshores de bancos portugueses, os sócios angolanos
transferiam para Portugal, para a emissão de garantias e pagamentos, os fundos
iniciais necessários à construção da universidade. Por exemplo, António Burity
da Silva emitiu, a 30 de Agosto de 2005, um cheque no valor de dois milhões de
euros, da sua conta domiciliada na offshore do Banco Comercial
Português nas Ilhas Caimão, o BCP Bank & Trust (Cayman) Limited. Passou-o a
favor do sócio português Amadeu Lima de Carvalho, para as operações a partir de
Portugal.
Por
outro lado, vendo-se na contingência de obter um empréstimo bancário junto do
Banco de Fomento de Angola (BFA), no valor de US $350 mil, para a prossecução
das obras, o então vice e actual ministro da Educação, Pinda Simão, e o
vice-ministro da Ciência e Tecnologia, Pedro Sebastião Teta, serviram de
garantes do empréstimo solicitado pela DEA.
O
BFA aprovou a concessão de crédito a 10 de Dezembro de 2012, para um período de
36 meses a uma taxa de juros bonificada de dez por cento ao ano.
Os
Conflitos de Interesse
Por
altura da criação da universidade vigorava, em Angola, a Lei dos Crimes
Cometidos por Titulares de Cargos de Responsabilidade (Lei n.º 21/90), que
proibia os titulares de cargos públicos de participação económica em negócio
sobre o qual tinham poder de influência ou decisão (art. 10.º, 2.º). A Lei da
Probidade Administrativa incorpora a mesma medida legal (Art. 25.º, 1.º, a).
O
presidente da República, José Eduardo dos Santos, promulgou, a 5 de Abril de
2005, o Decreto n.º 11/05, que autorizou a empresa DEA a criar a UnIA. A
universidade já se encontrava em funcionamento, tendo o decreto presidencial
conferido poderes ao então ministro da Educação, António Burity da Silva, para
aprovar os cursos ministrados pela UnIA (Art. 2.º), os seus estatutos e
regulamentos (Art. 5.º, 1.º), bem como a responsabilidade pela avaliação
periódica da referida instituição (Art. 5.º, 2.º).
Por
sua vez, a 19 de Junho de 2006, na qualidade de ministro da Educação, António
Burity da Silva exarou o Decreto Executivo n.º 74/06, autorizando a sua
universidade privada a criar os cursos de licenciatura em Ciências da
Comunicação, Engenharia Civil, Engenharia Informática e Engenharia de Recursos
Naturais e Ambiente, tendo também aprovado os respectivos planos curriculares.
A
18 de Agosto de 2008, coube ao secretário de Estado para o Ensino Superior,
Adão do Nascimento, enquanto subordinado de António Burity da Silva, assinar o
Decreto Executivo n.º 215/08, que autorizava a UnIA a ministrar os cursos de
Direito, Engenharia Electrónica de Telecomunicações e Gestão e Marketing. A
referida medida tinha efeitos retroactivos, pois os cursos já eram ministrados
desde 2005.
A
Lei da Corrupção
Sobre
a narrativa dos factos acima reportados, destacam-se vários actos contrários à
legislação em vigor.
O
princípio da probidade pública impede o agente público de aceitar empréstimos,
facilidades ou ofertas que possam afectar “a independência do seu juízo e a
credibilidade e autoridade da administração pública, dos seus órgãos e
serviços”. Ao servirem como avalistas da sua empresa privada, no empréstimo
junto do BFA, os titulares de cargos públicos Pinda Simão, Pedro Sebastião Teta
e o comissário Carlos Burity da Silva, colocaram em causa a credibilidade e a
autoridade da administração pública, ao revelarem grave conflito de interesses.
O BFA é um banco privado com capitais públicos através do investimento da
Sonangol na UNITEL, que detém 49 por cento das acções do banco.
Por
outro lado, António Burity da Silva, ao passar um cheque de dois milhões de
euros a partir da sua conta particular domiciliada nas Ilhas Caimão, incorre
também no crime de enriquecimento ilícito (Art. 25.º, 1.º, g), por ostentar um
património financeiro incompatível com os seus rendimentos enquanto agente
público.
António
Burity da Silva, Pinda Simão e André Soma incorrem ainda no crime de
enriquecimento ilícito (Art. 25.º, 1.º, j, k, da Lei da Probidade Pública) por
integração, no seu património privado, de um terreno público sob tutela do
Ministério da Educação. A referida legislação aplica-se também ao vice-ministro
Pedro Sebastião Teta e ao actual conselheiro do comandante-geral da Polícia
Nacional e reitor da UnIA, comissário Carlos Burity da Silva.
A
acção de André Soma também viola a Lei da Probidade (Art. 18.º, 1.º, 2.º, a),
por ter recebido de oferta a quantia de US $6,500 em troca da disponibilização
de um terreno afecto ao Ministério da Educação, sob sua tutela enquanto
responsável provincial do sector, bem como para a realização de actos
administrativos a favor da DEA.
Para
além das sanções penais, a Lei da Probidade (Art. 30.º, 1.º, b) prevê, para
casos desta natureza, que os responsáveis pelos actos de corrupção estejam
sujeitos, entre outra medidas, à “perda dos bens ou valores acrescidos
ilicitamente ao seu património, ressarcimento integral do dano, se houver,
perda da função pública, pagamento de multa de até três vezes o valor do
acréscimo patrimonial ilícito e proibição de contratar com entidades públicas
ou receber incentivos ou benefícios fiscais ou creditícios, directa ou
indirectamente, ainda que por intermédio de pessoa colectiva da qual seja sócio
maioritário, pelo prazo de 10 anos”.
Mas,
entre pares, os sócios da DEA continuarão a contar com a solidariedade dos seus
colegas do governo. Foi pela via da solidariedade institucional e da cobertura
dos actos de corrupção que a ministra da Comunicação Social, Carolina
Cerqueira, anunciou recentemente: “Quando o ministério estiver a
licenciar e autorizar o funcionamento das rádios comunitárias, a Rádio UnIA será
das primeiras a merecer tal privilégio, visto que está na lista das prioridades
pela sua importância.”
Conclusão
Em
circunstâncias normais, e por lei, os sócios da DEA, ainda em funções públicas,
deviam perder os seus cargos e responder em tribunal.
No
entanto, os conflitos de interesse e actos de corrupção do ministro Burity da
Silva e seus coadjutores, o seu irmão Carlos Burity da Silva, Pinda Simão e
Pedro Sebastião Teta, tiveram o alto patrocínio do presidente da República. É o
chefe de Estado e Governo o principal responsável e promotor dos actos mais
gritantes de corrupção que têm lugar ao nível do governo, porque passam pelo
Conselho de Ministros, onde invariavelmente José Eduardo dos Santos os aprova.
Assim,
a corrupção é institucional. Qualquer política de combate contra a corrupção,
dada a gravidade da situação no aparelho do Estado, deve ser, na verdade, um
combate contra a institucionalização da corrupção pelo Presidente José Eduardo
dos Santos, o garante da impunidade.