terça-feira, 18 de agosto de 2015

A HIPOCRISIA DO NORTE



Alberto Castro*, Londres

A corrupção, a lavagem de dinheiro sujo em investimentos conspurcadores da ''pureza'' das sociedades ocidentais industrializadas, o levantar de bandeiras como a democracia, a defesa dos direitos humanos e a liberdade de expressão como justificativas para intervenções, o colar frequente da imagem da corrupção, do suborno e da má  governação como pecados capitais apenas dos países em desenvolvimento, todos esses males foram e continuam a ser argumentos hegemônicos usados por governos de potências ocidentais contra países em desenvolvimento e de cujos recursos naturais dependem vitalmente para sobreviver.

De tanto usados tais argumentos caem estrondosamente por terra, se banalizam e enfraquecem os que verdadeiramente lutam por sociedades mais justas, livres e com governos verdadeiramente democráticos, de boa administração, quando contraditos por práticas que denotam imensa hipocrisia e chocante dupla moral.   Não que o ''faz o que digo e não que faço'' seja para ser contestado e usado como argumento para fazer precisamente ''o que faço''.  Mas antes seguir os que lideram por bons exemplos do que os que preferem a liderança de retórica assente em superioridades morais. E como os há  por esse norte fora!

Numa altura em que o escândalo chamado no Brasil de petrolão faz manchetes um pouco por todo o mundo convém recordar caso similar nos idos anos de 1990 com a Elf Aquitaine, ex-petroleira estatal francesa cuja fama mundial é associada apenas ao desporto na versão portuguesa da Wikipédia.

Ela  protagonizou ''a maior fraude em uma democracia ocidental desde a Segunda Guerra Mundial'', segundo o The Guardian. Tornou-se, de acordo com o jornal inglês, em um banco privado para seus executivos que gastaram de 1989 à 1993 cerca de 350 milhões de dólares em favores políticos, jóias, obras de arte, amantes, vivendas e apartamentos, entre outros. Se à tal montante somarmos práticas de corrupção desde a sua fundação por Charles de Gaulle em 1965, os escândalos de corrupção como o mensalão e petrolão que atualmente se verificam no Brasil seriam apenas rios em um oceano de corrupções.
 
Desde a sua fundação, a Elf agiu como braço secreto de Paris, servindo interesses obscuros franceses um pouco por todo o mundo, mas principalmente na África francófona e na Ásia, tendo atuado em alguns países da primeira região como verdadeiro Estado dentro do Estado, definindo políticas, conduzindo ao poder líderes africanos conectados com a França e depondo os hostis aos seus interesses. Avultadas somas foram pagas  à governantes do Gabão, Angola, Camarões e Congo-Brazzaville na década de 90, segundo o The Guardian. No caso de Angola, a empresa fez acordos tanto com o governo como com o extinto Jonas Savimbi, alegadamente pagando a este entre 16 e 20 milhões de dólares em troca de promessas de contratos no caso de a UNITA ganhar as eleições de 1992.

Na Europa teve transações obscuras, entre elas, a participação na privatização da refinaria oriental alemã Leuna. Consta que canalizou grandes somas para a CDU então dirigido  por Helmut Kohl, no poder na Alemanha nos anos 90, cujo governo esteve envolvido em vários escândalos de corrupção.  Wolfgang Schäuble, o rígido ministro alemão da UE que prega austeridade financeira para toda a Europa, teria ele mesmo participado na altura do banquete da corrupção e recebido 100 mil marcos doados por Karlheinz Schreiberum, um homem de negócios germano-canadense, lobista da indústria de armas.
 
Os três principais executivos da Elf à época, nomeadamente, Loik Le Floch-Prigentforam, presidente, Alfred Sirven (falecido em 2005), seu adjunto e  André Tarallo, diretor conhecido como o  Monsieur África, foram julgados e condenados em novembro de 2003 à penas de prisão de cinco para os dois primeiros e quatro para o terceiro. Foram libertados semanas depois por alegadas razões de saúde.  

A imprensa em Portugal fala frequentemente de corrupção em países africanos, particularmente Angola. O jornalista investigativo e ativista angolano Rafael Marques, próximo a fundações como a Open Society, do multimilionário húngaro-norteamericano, George Soros, tem denunciado práticas de corrupção e violações dos direitos humanos feitos pelo governo do seu país. Tudo muito bem. Mas é tempo tempo de em Portugal se começar a investigar e desnudar continuamente as ligações promíscuas entre políticos, governantes, empresas, fundações (algumas fantasmas) e sociedades secretas portuguesas com os seus pares africanos. Não apenas demonizar estes. 

Desconfio das boas intenções, sempre antecedidas de grandes declarações de amor, de políticos e comentadores que frequentemente malham em governos como o angolano ou o equato-guineense. Não que estes não sejam merecedores dos mais contundentes reparos. Alguns são mesmo injustos e ignorantes da história africana. Já vi figuras da política em Portugal mudarem radicalmente os seus posicionamentos de paladinos da democracia, da defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão assim que assentam os rabos no poleiro. Outras, como a eurodeputada socialista Ana Gomes que se têm mantido coerentes nas suas críticas em defesa de suas bandeiras, especialmente para com países como  Angola e a Guiné Equatorial.

Todavia, estranho que nessa sua recente visita à Luanda para aquilatar do estado da democracia, direitos humanos e liberdade de expressão no país há  quase quatro décadas liderado por José dos Santos, não se tenha deslocado prioritariamente ao local no Huambo onde se especula que centenas de seguidores de uma seita religiosa tenham sido indiscriminadamente assassinados pela polícia angolana. Fica a ideia de que para a eurodeputada parece ter valido mais a prisão de 15 jovens ativistas indignados com a governação do MPLA do que a vida de centenas de seres humanos. Já agora, sugeria que a nobre eurodeputada alargasse o leque das suas preocupações e desse o mesmo tratamento político e mediático aos restantes países lusófonos, especialmente ao Brasil onde milhares de jovens negros são vítimas do racismo policial e onde, entre outros, jornalistas e ambientalistas assassinados impunemente. 

A fechar, seria interessante saber quem são os os financiadores internacionais de ONG's internas e externas que operam em países africanos e quais os seus verdadeiros propósitos. Serão os seus objetivos verdadeiramente altruístas, humanitários, solidários, de parceria credível no desenvolvimento ou o humanitarismo e demais nobres objetivos que propagam não passam capas para encobrir negociatas e objetivos políticos sinistros e desestabilizadores? A quem prestam contas? Onde começa e termina o altruísmo, a filantropia desinteressada? Essas são algumas das questões que cada vez mais se colocam em resultado da dupla moral de uns.

*Alberto Castro é correspondente de Afropress em Londres e colabora em Página Global

Sem comentários:

Mais lidas da semana