terça-feira, 12 de maio de 2015

Portugal. O CANCRO DA MULHER DE PASSOS É PROPAGANDA?



Pedro Tadeu – Diário de Notícias, opinião

A notícia é avançada, com decoro e elegância, por uma revista cor-de-rosa, a furar o bloqueio da generalidade da classe jornalística, conhecedora há semanas do assunto: a mulher do primeiro--ministro sofre de cancro. O próprio Passos Coelho, em comunicado, pede à comunicação social respeito pela privacidade da família e, elegantemente, imprensa, rádio e televisão não desenvolvem o caso.

Quatro meses depois leio, espantado, em duas páginas doCorreio da Manhã, um resumo das declarações prestadas por Laura Ferreira à autora de uma biografia autorizada do primeiro-ministro.

A mulher de Passos Coelho explica como encara a hipótese da morte, dá detalhes sobre alguns tratamentos, fala da própria forma como a doença alterou a expressão da afetividade entre ela e o marido.

O cancro da mulher de um primeiro-ministro é notícia? Recordo que a primeira informação publicada no primeiro número desteDiário de Notícias, em 1864, há 150 anos, foi esta: "Suas Magestades e Altezas passam sem novidade em suas importantes saudes." A curiosidade sobre o estado de saúde dos poderosos está, portanto, na génese do jornalismo moderno.

Regras deontológicas entretanto desenvolvidas, na forma como os jornalistas portugueses normalmente as interpretam, atiram estes assuntos para o lixo da não notícia.

Contraditoriamente, essa reserva é constantemente violada quando esse tipo de informações tem como alvo anónimos, músicos pop, atores, vedetas de televisão, famosos de revistas do coração.

A privacidade na doença, na realidade, só é respeitada pela comunicação social quando envolve políticos com poder efetivo, empresários e gestores de grande dimensão, intelectuais de topo. Esta privacidade só é válida para quem domina.

No caso de Passos e da mulher, mesmo à luz do critério jornalístico mais pundonoroso, o cancro teria de ser notícia se, por exemplo, houvesse abuso da família do primeiro-ministro na utilização do Serviço Nacional de Saúde (ou mesmo de serviços privados) com prejuízo de outros doentes. Como nada há sob esse ângulo, é defensável e, porventura, louvável o silêncio a que os jornais se remeteram.

Mas eis que num livro de propaganda política, de elogio à personalidade de Pedro Passos Coelho, a privacidade solicitada deixa de o ser e o cancro de Laura Ferreira é servido ao sentimentalismo das massas.

E o jornalismo, tolhido pela moralidade manipulada, fica a titubear, corneado, a pergunta: "o cancro da mulher de Passos não pode ser notícia mas, afinal, pode ser propaganda?!". Pelos vistos, sim.

PS: Vou ter imensas saudades de Oscar Mascarenhas. Deitei uma lágrima. Um beijo Natal Vaz. Um abraço João Vaz.

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