O
jornalista e ativista angolano Rafael Marques considera difícil evitar um
"descalabro" em
Angola. E acusa o Presidente José Eduardo dos Santos de não
ter diversificado a economia, cada vez mais dependente do petróleo.
Rafael
Marques interroga-se sobre como o Governo de Luanda vai lidar com as restrições
impostas pela queda do preço do ouro negro, na medida em que Angola não fez no
passado investimentos em áreas básicas como a indústria alimentar e o sector
agrícola, entre outros.
Ainda
assim, o ativista acredita que a textura social angolana pode até aguentar uma
situação preocupante como a que está a ser vivida atualmente em Angola, revelou
em entrevista à DW África.
DW
África: Considera que Angola está a dirigir-se para um "desastre político
e social". Será que a textura social angolana pode ainda aguentar
uma situação tão preocupante, como disse recentemente?
Rafael
Marques (RM): A sociedade angolana até pode aguentar, mas a relação entre
o atual Governo e a sociedade pode não aguentar esta pressão. O Governo, o
Presidente da República sobretudo, foi fazendo várias promessas ao longo dos
anos e a propaganda institucional mostrou uma ideia de um país que estava a
correr às mil maravilhas, com um problema aqui e acolá, mas com uma melhor
distribuição da renda nacional.
E
o que está a acontecer agora com esta crise dos preços do petróleo é que nem
sequer os angolanos da classe média que têm os filhos a estudar fora estão a
conseguir fazer transferências de dinheiro para pagar os estudos dos seus
filhos.
Internamente,
aqueles que são muito pobres continuam a viver na mesma situação porque quase
já não têm relação nenhuma com o Estado, excepto quando o Estado interfere na
sua vida para lhes expropriar terrenos ou para lhes acrescentar mais danos no
seu quotidiano. Essas pessoas, que de certo modo são a maioria, já nem sentem
sequer a crise. Esta crise afecta mais o que podemos chamar de classe média.
Mas esta crise é sobretudo agudizada pela forma errática como o Presidente está
a conduzir o país.
DW
África: Face a esse quadro, haverá em Angola mais protestos e mais repressão?
RM: Não,
porque grande parte dos indivíduos que faziam protestos eram pessoas até
desempregadas, alguns jovens universitários, mas não eram indivíduos ligados à
função pública. O que vai haver este ano são muitas greves na função pública,
no próprio exército e na polícia nacional, pelo descontentamento crescente. Não
se trata de protestos de rua, trata-se da desarticulação da máquina partidária,
do culto da personalidade nas próprias instituições do Estado. Porque hoje o
que é comum na leitura destes setores da sociedade angolana que sempre apoiaram
o regime é que o Presidente já não está em condições de garantir a sua
estabilidade.
DW
África: Mas o Governo suportado pelo Movimento Popular de Libertação de Angola
(MPLA, no poder) tem falado, nos últimos tempos, na construção de uma Angola
“próspera e solidária”, enaltecendo inclusive efeitos como mais energia
elétrica para a população. A propaganda do Governo ainda está a ser aceite por uma
certa camada da população angolana?
RM: O
Governo como entidade soberana do Estado foi abolido com a nova Constituição de
2010. O Presidente passou a ser o titular do Executivo. Então, o Governo é o
Presidente da República. Há os órgãos essenciais do Presidente da República,
que são os seus assessores na presidência, e os órgãos auxiliares. O que nós
chamamos de Governo em Angola é apenas um órgão auxiliar do Presidente, nem
sequer é um órgão essencial. E foi aí que se criou uma grande confusão.
Sempre
que alguma coisa corre mal, o Presidente fala no Governo, para este assumir a
responsabilidade. E quando as coisas correm bem dizem que foi o Presidente que
fez, o titular do Executivo. Esse jogo do Presidente de não querer assumir
responsabilidade por tudo aquilo que corre mal na sociedade angolana e assumir
apenas as virtudes causou este grande impacto. Desarticulou a capacidade de ele
próprio dividir a responsabilidade com os membros do seu Executivo. Esse poder
absoluto está agora a virar-se contra o Presidente. É o feitiço que se vira
contra o feiticeiro.
Antonio
Rocha – Deutsche Welle
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