Camila
Tribess* - Pragmatismo
Político
Após
a execução do brasileiro condenado à pena
de morte por tráfico de drogas na Indonésia,
surgiram as mais diversas reações sobre o tema. Órgãos internacionais e o
governo brasileiro se manifestaram contra o julgamento e o debate sobre a pena
de morte reacendeu.
Infelizmente,
por falta de conhecimento político e histórico, muitas pessoas cotaram a Indonésia como
sendo um país “sério”, com leis rígidas e que “não dá moleza para bandido”. Mas
para aqueles que tiveram um pouco mais de acesso à história desse arquipélago,
com mais de 16 mil ilhas no sudeste asiático, a história mostra-se bem
diferente. O jornalista e blogueiro Leonardo
Sakamoto chegou a trazer, nessa semana, para a memória das pessoas o caso de Timor-Leste, mas acredito que vale a pena juntar
essas peças de forma mais apurada.
Timor-Leste foi
colônia portuguesa até 1974, quando Portugal abandonou
suas colônias por causa daRevolução dos Cravos nas terras lusitanas. Entre 1974
e 1975, o país asiático viveu uma guerra civil e finalmente declarou sua
independência – que durou apenas 8 dias! No dia 7 de dezembro de 1975 aIndonésia,
apoiada por potências como EUA e Austrália (Timor-Leste
tem uma reserva de petróleo considerável), invadiu de forma covarde e cruel o
pequeno território timorense e permaneceu por 24 anos, enfrentando uma
população que se armou em defesa própria e que, mesmo com escassas armas e
pouquíssimo apoio internacional, venceu finalmente a luta, num referendo
organizado pelaONU em
1999 (para quem tiver interesse, o documentário de Lucélia Santos, “Timor-Leste: o massacre que o mundo não viu” é bastante
ilustrativo).
É
importante ressaltar que a Indonésia,
sob o regime de terror do ditador Suharto, matou
só em terras timorenses cerca de 300 mil pessoas (estimativas do Arquivo e
Museu da Resistência Timorese com base em censos populacionais), a maioria
jovens, crianças, mulheres e idosos. Os relatos obtidos após a libertação de
Timor-Leste foram reunidos no relatório final da Comissão de Acolhimento,
Verdade e Reconciliação que, em mais de 2 mil páginas, apresenta os
mais atrozes massacres cometidos pelos militares indonésios e pelas milícias por
eles formadas. Não faltou nada: campos de concentração, mutilações, estupros,
mortes por esmagamento, por afogamento, uso de armas químicas… enfim, a
barbárie completa.
A
ditadura do general Suharto acabou em 1998. Depois disso a Indonésia já
teve diversos presidentes, muitos deles eleitos – inclusive Joko Widodo,
festejado pelos indonésios como sendo mais progressista e em quem se depositou
muitas esperanças na eleição do ano passado. No entanto, chamar a Indonésia de
democracia é um exagero. As forças militares ainda detém um poder imenso sobre
o governo e a sociedade, em especial sobre a imprensa. A organização Freedom House dá uma
nota 3 (o país menos democrático teria nota 7 e o mais democrático teria nota 1
nessa escala) para as liberdades individuais e de imprensa no país – o Brasil está
acima da Indonésia em todos os itens abordados.
Além
disso, genocídio similar ao perpetrado em Timor-Leste segue acontecendo, longe
dos holofotes, agora na Papua
Ocidental, que luta há anos por sua independência e contra a exploração de suas riquezas minerais.
Vamos
à questão da pena
de morte e das drogas na
Indonésia – ponto inicial dessa questão toda. Não! A pena de morte não inibe o tráfico de drogas, apenas aumenta o preço cobrado por elas
no país. Faça uma busca rápida em qualquer fórum de viajantes, surfistas ou
mochileiros e você facilmente vai encontrar dicas de onde conseguir boas drogas
na Indonésia sem ter problemas com a polícia. A ilha mais turística do país, Bali, é famosa
também pelo acesso fácil a qualquer tipo de droga lícita ou ilícita. A ladainha
dos vendedores é conhecida por qualquer um que tenha andado pelas ruas de Kuta
(praia de Bali) – “viagra, marijuana, haxixe, cocaine, mushrooms, something
more…” – e esses vendedores muitas vezes estão a poucos passos de um posto
policial. São famosas também as extorsões sofridas por turistas desavisados
que, ao expressar interesse por alguma dessas drogas, precisa pagar quantias
altíssimas para não ser denunciado pelo próprio vendedor. Além de Bali,
diversas outras ilhas, em especial as mais turísticas, são internacionalmente
conhecidas pela grande oferta de drogas.
O
mais interessante é que – voltando ao caso de Timor-Leste – foi feito um acordo
através da ONU em 2001 e reafirmado pelo relatório da Comissão de
Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR) citado acima, que a
Indonésia buscaria, através de seus próprios meios de investigação e
julgamento, punir os responsáveis pelos massacres e crimes contra humanidade
praticados em
Timor-Leste. No entanto, hoje, passados 15 anos da saída da
Indonésia do território timorense, a constatação da CAVR (de
2005) segue sendo válida, “aqueles que planejaram, ordenaram, cometeram e são
responsáveis pelas mais graves violações de direitos humanos não foram chamados
a prestar contas, e, em muitos casos, viram as suas carreiras militares e civis
florescerem devido às ações praticadas”.
Assim,
fica o pedido do povo timorense – representado nas páginas do relatório da CAVR
-, e de todos aqueles que conhecem um pouco da história da Indonésia, que este
país, agora elevado ao patamar de “sério”, “com leis rígidas”, “cumpridor da
lei” e “intransigente com bandidos” comece a julgar os maiores criminosos de
sua história – os militares responsáveis pelas atrocidades cometidas em
Timor-Leste.
E,
para os brasileiros que apoiaram e aplaudiram o show de horrores do fuzilamento
dos condenados na Indonésia,
que reflitam um pouco mais sobre os contextos políticos e sociais dos países
antes de saírem em defesa dos supostos paladinos da boa governança, da justiça
e do cumprimento das leis. Sem falar na necessidade urgente de uma reflexão
séria sobre o que significa essa “guerra às drogas” e suas consequências
sociais.
*Camila
Tribess é professora, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do
Paraná, atua em projeto de cooperação internacional da CAPES/MRE em Timor-Leste
e colaborou em Pragmatismo Político.
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