Dojival
Vieira* - Afropress, editorial
Só
não desisto porque a nós, os lutadores sociais, os que lutamos por
transformações profundas nessa sociedade injusta e desigual, nesta República
precária construída sob os escombros do escravismo, não resta outra alternativa
senão seguir lutando. Temos todos os direitos menos um: o de nos deixarmos
abater pelo pessimismo. Mas, que é desanimador é.
Mesmo
ainda tendo pela frente as emoções de um segundo turno entre a presidente Dilma
Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), é impossível não concluir: a julgar pelas
campanhas até aqui, nada nos autoriza a imaginar que o debate se desloque dos
temas econômicos de interesse, principalmente, do mercado (taxas de câmbio,
meta de inflação, superávit primário etc) para as reformas que vem sendo
adiadas no Brasil há pelo menos um século.
O
sistema instaurado pela Constituição de 1.988 se esgotou e com ele o modelo de
governança iniciado em 1.995, com FHC e continuado pela dupla Lula/Dilma. A
maior evidência disso é que completará 20 anos sem ajustar contas sequer com a
herança da ditadura militar, que continua ativa na democracia tutelada que
herdamos, fruto de uma transição negociada por setores da oposição civil com os
militares.
Não
há sinais de que propostas concretas para levar adiante as reformas passem a
ser o divisor de águas entre as candidaturas em disputa. O provável é
que tenhamos a poluição sonora e o mau gosto de uma campanha de baixíssimo
nível entre petistas e tucanos, com a busca da descontrução de um e de outro,
como aliás, já se prenuncia nas redes sociais.
A
estratégia dos primeiros será voltar a década de 90 para comparar com os dois
primeiros governos de FHC, e dos últimos, prometer mudanças com o discurso
genérico de menos corrupção e mais ética - vejam, que ironia (e que sinal dos
tempos!), que isso aconteça como peça de campanha justamente contra o PT,
partido que, até há pouco, se apresentava como campeão da ética na política.
De
volta ao passado
No
caso da eleição desse domingo (05/10), o Brasil que sai das urnas no primeiro
turno é um país mais conservador e retrógrado. Em S. Paulo , o campeão de
votos para deputado federal, é nada mais nada menos, que Celso Russomano
(1.524.361 votos), uma espécie de versão 2.0 de Paulo Maluf, abatido pela lei
da Ficha Limpa. Em segundo, o palhaço Tiririca (1.016.796 votos), que na
eleição anterior já ocupara a posição de primeiro colocado, o que demonstra
que, em termos de mudanças de costumes na política, nossa triste sina é andar
para trás.
Para
deputados estaduais, a lista de militares - coronéis e majores, principalmente,
a "bancada da bala" - delegados e pastores evangélicos eleitos com
expressivas votações, mostram que o parlamento paulista está muito mais para
púlpitos e quartéis, do que para um espaço de debate e livre circulação de
idéias.
Um
dos campeões de voto foi o pastor Marco Feliciano, que provocou a revolta e a
indignação de negros quando declarou que os africanos “descendem de um
ancestral amaldiçoado por Noé”. Mesmo assim acabou na presidência da Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Feliciano,
contra quem foram organizados atos e manifestações por todo o país,
simplesmente obteve a votação histórica de quase 400 mil votos (398.087).
A
avalanche conservadora é indicadora do retrocesso porque nomes como o do
deputado Adriano Diogo (PT), que se apresentou como "um combatente da
esquerda", amargaram uma derrota que terá graves e sérias consequências
para o movimento dos direitos humanos em S. Paulo.
Com
apenas 54.904 votos para a Câmara Federal, presidente da Comissão de Direitos
Humanos e da Comissão da Verdade "Rubens Paiva", da ALESP, Adriano
dirigiu por quase dois anos os trabalhos da Comissão, buscando Justiça e
punição dos torturadores, que continuam soltos e impunes. Fez do mandato de
deputado o porto seguro a quem podiam recorrer, negros, pobres e
marginalizados, lideranças dos movimentos sociais, vítimas de violações aos
direitos humanos e da violência da polícia.
Nada
disso contou, porém, porque os eleitores paulistas preferiram consagrar
Tiririca com votação superior a 1 milhão de votos, e a Russomano, o clone de
Maluf, o deputado com maior votação do Brasil.
Extrema
direita militar
No
Rio, outro campeão nas urnas, foi nada menos que o deputado Jair Bolsonaro com
quase meio milhão de votos (464.556). Representante da extrema direita
militar no Parlamento, com posições abertamente racistas e homofóbicas,
Bolsonaro já anunciou voos mais altos: será candidato a presidência nas
eleições de 2.018.
E,
por fim, no Rio Grande do Sul, saiu consagrado das eleições de domingo, o
deputado Luis Carlos Heinze, a quem a ONG inglesa Survival deu o
título de “Racista do Ano”, por suas posições hostis a quilombolas, índios,
gays e lésbicas.
A
onda conservadora não é recente; vem se consolidando na mesma proporção em que
os Governos nos últimos 12 anos se compuseram com os setores mais conservadores
da sociedade e adotaram o mantra da governabilidade como princípio, com
Sarneys, Malufs e até com Collor, eleito senador em Alagoas, contra a
ex-senadora Heloísa Helena - pasmem!!! -, com apoio do PT.
É
o caso de questionar, quem são os verdadeiros beneficiários desse tipo de
estratégia. O que está evidente é que não são aqueles que lutam por mudanças
estruturais e para quem medidas cosméticas para consumo eleitoral ditadas por
marqueteiros muito bem pagos, não tem nenhum significado.
A
julgar pelo resultado do primeiro turno, é evidente que a opção dos que
trocaram um projeto de país por um projeto de poder, começa a ser
rejeitada. Não teria isso a ver com o desinteresse das pessoas pelas
campanhas e pelo desprezo pelos políticos, que é crescente?
*É
advogado, jornalista responsável e editor de Afropress