sexta-feira, 14 de novembro de 2014

XANANA GUSMÃO. COMO ESTÁ MUDADO O NOSSO HERÓI DA RESISTÊNCIA



Sérgio Soares – jornal i

Líder timorense foi o herói perfeito de uma causa honrada que se dava por perdida mas recolheu sempre o apoio unânime português

No rescaldo de um processo de descolonização atabalhoado, Portugal viu-se subitamente sem grandes causas e sem verdadeiros heróis contemporâneos. Os que havia eram rejeitados ideologicamente ora pela esquerda ora pela direita.

A invasão e ocupação de Timor pela Indonésia foi a situação emocionalmente perfeita para se abraçar uma nova causa com sentido. Tratava-se da defesa dos guerrilheiros timorenses que se batiam corajosamente nas montanhas contra um impiedoso invasor indonésio, que ainda por cima abolira a língua portuguesa durante a ocupação.

Os constantes massacres de timorenses às mãos das milícias armadas por Jacarta ajudaram a cimentar a causa e o símbolo da resistência: Xanana Gusmão.

O dia 12 de Novembro de 1991 foi a data do massacre de Santa Cruz. Os indonésios abateram 371 pessoas e feriram 382. Outras 250 nunca foram encontradas.

Se durante décadas o líder da resistência timorense fez o pleno nos apoios conquistados à esquerda e à direita em Portugal, com o massacre atingiu o Olimpo no imaginário lusitano.

Inacessível, nas montanhas da ilha sitiado pelo feroz inimigo, o líder dos rebeldes timorenses caiu no goto do povo português, que o entronizou como seu novo grande herói.

AI TIMOR 

Odes e loas foram tecidas em sua homenagem, chegando uma música que chorava o fado da ilha a entrar directamente no top 10 da canção nacional: "Ai Timor, calam-se as vozes dos teus avós. Ai Timor, se outros calam cantemos nós!", dizia a letra.

Xanana tinha tudo. Era humilde, defensor dos fracos, resistia tenazmente a uma ocupação selvagem, foi preso e deportado para a cadeia de Cipinang, defendia a língua portuguesa naquela parte do mundo, e representava uma causa quixotesca face a um inimigo poderoso.

Aquando do seu julgamento, a 20 de Novembro de 1992, os portugueses choraram de emoção com a postura de defesa do seu herói transnacional.

"Eu sou Kay Rala Xanana Gusmão, o líder da resistência maubere contra a cobarde e vergonhosa invasão de 7 de Dezembro de 1975 e a criminosa e ilegal ocupação militar de Timor-Leste desde há 17 anos. "Perante o direito internacional eu continuo, como todos os timorenses, cidadão português, e, perante a minha própria consciência, sou cidadão de Timor-Leste. É nestes termos que rejeito a competência de qualquer tribunal indonésio para me julgar e, muito menos, a jurisdição deste tribunal, implantado à força das armas e do crime, na minha pátria, Timor-Leste."

Xanana conclui a defesa afirmando: "Nenhum acordo pode ser celebrado entre prisioneiro e carcereiro."

Contudo, meses depois, a Indonésia dá um golpe psicológico de envergadura na resistência ao mostrar Xanana a declarar que "a luta armada tinha acabado".

Xanana aparece na televisão a conversar com Abílio Osório. Renega as crenças ideológicas e pede desculpa às autoridades pelo que tinha feito. Fazia também um apelo aos companheiros de luta para que se rendessem.

A Indonésia rejubila com a capitulação e anuncia um julgamento público. Uma das vozes que se fizeram ouvir foi a do bispo D. Ximenes Belo, que disse depois de ouvir o líder da resistência: " Ele fala de maneira diferente daquela que eu conheço!"

Mas em qual dos dois momentos foi sincero? Quando apelava à resistência ou quando pedia aos guerrilheiros que se entregassem e depusessem as armas? Nunca ninguém saberá. Verdade seja dita, conseguiu dar a volta ao texto e desmentiu a capitulação reafirmando o combate contra a ocupação. O resto foi um longo mas agradável processo de honrarias até ascender à chefia do Estado, de que abdicou pela chefia do governo.

Quanto a Portugal, durante anos contribuiu directa e generosamente para o orçamento de Timor-Leste e foi sempre dos seus maiores doadores internacionais. Na recente crise diplomática, que culminou na expulsão de juízes portugueses, Xanana esclareceu que não avisou o primeiro--ministro de Portugal porque estava "atrapalhado com outras actividades".

"As minhas decisões não são para proteger a Emília [ministra da Justiça], é para proteger os 370 milhões [de dólares] e dizer às companhias petrolíferas para não brincarem comigo, não pensem que estamos cegos", disse, referindo-se ao valor que as petrolíferas devem ao país, em processos nos tribunais.

Talvez a frase de Alexandre Dumas possa servir de algum consolo: "Nos negócios não existem amigos, apenas clientes." O general De Gaulle explicou-se melhor: "A França não tem amigos, apenas interesses."

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