Nessa guerra os que
morrem são sempre os mais pobres, e não beligerantes diretos. Raramente um
oficial é executado por bandidos. Em algumas vezes são soldados desprotegidos,
alvejados quando chegam do trabalho. Da mesma forma, não são os capitães do PCC
e de outras organizações semelhantes os mortos.
Mauro Santayana –
Carta Maior, em Colunistas
Falta identificar
as forças beligerantes na guerra que se trava em São Paulo , com baixas
diárias que se aproximam das registradas em conflitos internacionais.
Aparentemente – e convém desconfiar das aparências – o confronto se dá entre os
bandidos e a polícia. Os bandidos, na versão oficiosa, vingam-se da sociedade
que os confina ao “executar” policiais militares em emboscadas. Há , no
entanto, a denúncia de que os policiais militares estão assassinando pequenos
bandidos, mas também pessoas trabalhadoras, a fim de atemorizar as organizações
criminosas dos presídios.
Não há policiais perfeitos, a não ser na ficção, mas sem dúvida a Polícia Militar, pela sua natureza, é muito mais violenta do que as corporações civis. O uniforme, os aquartelamentos, as formações e os treinamentos – semelhantes aos que se submetem as forças armadas destinadas à hipótese da guerra contra os inimigos externos – condicionam esses homens ao ato de matar sem a inibição do sentimento de culpa. Isso não inocenta os policiais civis, muitos deles tão violentos ou ainda mais violentos do que os uniformizados.
Organizações brasileiras denunciaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington, que sóem
São Paulo e no Rio de Janeiro, entre 2003 e 2009 (não há
estatística mais recente), a polícia matou 11.000 pessoas – mais de vinte vezes
as baixas das tropas brasileiras em combate na Itália. Na quase totalidade dos
casos, os próprios matadores redigem um “auto de resistência”, embora nunca
possam provar que os mortos tiveram a iniciativa do tiroteio.
Isso, apenas nas duas capitais brasileiras mais populosas. No interior do país, a situação é semelhante. Ainda agora, acabam de ser identificadas três milíciasem João Pessoa ,
compostas de policiais militares e civis, acusadas de constituir um grupo de
extermínio, de oferecer proteção a homens de negócios e de extorquir os
traficantes de drogas na Paraíba. Foram presos 56 suspeitos, entre eles
soldados e oficiais da PM, além de carcereiros e policiais civis. A operação
foi realizada por 400 agentes da Polícia Federal, com o apoio das autoridades
estaduais, e sob mandato judicial.
Nessa guerra os que morrem são sempre os mais pobres, e não beligerantes diretos. Raramente um oficial é executado por bandidos. Em algumas vezes são soldados desprotegidos, alvejados quando chegam do trabalho. Da mesma forma, não são os capitães do PCC e de outras organizações semelhantes os mortos, mas delinqüentes menores ou apenas trabalhadores inocentes, como parecem ser os últimos fuziladosem São Paulo
por um soldado que passeava com a sua família e alegou haver respondido à
ameaça dos mortos. Testemunhas afirmam que se tratou apenas de uma disputa de
trânsito – as vítimas teriam “fechado” o carro do policial. Por terem assim
agido, de acordo com as testemunhas, os rapazes foram fuzilados pelo militar.
Quando alguém importante é vítima de um criminoso comum, a sociedade se mobiliza. Quando os mortos são trabalhadores das favelas – ou pequenos criminosos levados ao tráfico pela falta de educação, de estrutura familiar sadia, e de empregos normais – a reação é quase nenhuma. Aqui e ali se manifestam alguns altruístas, e, pouco depois, as execuções deixam de ser notícia.
Quando houve, há seis anos, uma insurreição aberta de bandidosem São Paulo , o então
governador Cláudio Lembo colocou o dedo na ferida, ao culpar pela calamidade “a
elite branca e perversa” de seu estado. É certo que a desigualdade social não é
a única responsável pela violência urbana -a cultura da violência, importada
dos EUA pela televisão, tenha muito dessa culpa- nem pelos crimes brutais que
conhecemos. Bandidos há em todas as classes e, provavelmente, os mais cruéis
sejam os mais dissimulados, como os que atuam em Wall Street.
On de há mais justiça social há menos medo nas ruas.
Não há policiais perfeitos, a não ser na ficção, mas sem dúvida a Polícia Militar, pela sua natureza, é muito mais violenta do que as corporações civis. O uniforme, os aquartelamentos, as formações e os treinamentos – semelhantes aos que se submetem as forças armadas destinadas à hipótese da guerra contra os inimigos externos – condicionam esses homens ao ato de matar sem a inibição do sentimento de culpa. Isso não inocenta os policiais civis, muitos deles tão violentos ou ainda mais violentos do que os uniformizados.
Organizações brasileiras denunciaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington, que só
Isso, apenas nas duas capitais brasileiras mais populosas. No interior do país, a situação é semelhante. Ainda agora, acabam de ser identificadas três milícias
Nessa guerra os que morrem são sempre os mais pobres, e não beligerantes diretos. Raramente um oficial é executado por bandidos. Em algumas vezes são soldados desprotegidos, alvejados quando chegam do trabalho. Da mesma forma, não são os capitães do PCC e de outras organizações semelhantes os mortos, mas delinqüentes menores ou apenas trabalhadores inocentes, como parecem ser os últimos fuzilados
Quando alguém importante é vítima de um criminoso comum, a sociedade se mobiliza. Quando os mortos são trabalhadores das favelas – ou pequenos criminosos levados ao tráfico pela falta de educação, de estrutura familiar sadia, e de empregos normais – a reação é quase nenhuma. Aqui e ali se manifestam alguns altruístas, e, pouco depois, as execuções deixam de ser notícia.
Quando houve, há seis anos, uma insurreição aberta de bandidos
On
*Mauro Santayana é
colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na
Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou
nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82),
de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África
do Norte.
1 comentário:
"... pequenos criminosos levados ao tráfico pela falta de educação, de estrutura familiar sadia, e de empregos normais ..."
Bastou essa parte para destruir todo o artigo. Se o vagabundo vira traficante, a culpa não é dele, é sempre da sociedade.
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