terça-feira, 2 de outubro de 2012

TERCEIRA FASE DA CRISE DO EURO?




Bradford DeLong - Público, opinião

As duas primeiras vertentes da crise do euro – uma crise bancária que resultou da alavancagem excessiva em ambos os sectores público e privado, seguida de uma acentuada queda na confiança nos governos da zona euro – têm sido abordadas com sucesso, ou pelo menos parte delas. Mas isso deixa o terceiro, mais longo e mais perigoso factor subjacente à crise: o desequilíbrio estrutural entre o Norte e o Sul da zona euro.

Primeiro, as boas notícias: o receio de que os bancos da Europa poderiam desmoronar, com a fuga dos investidores em pânico pela sua segurança, produzindo uma grande depressão europeia, parece ter agora terminado. Da mesma forma, o medo, alimentado inteiramente pela política disfuncional da União Europeia, de que os governos da zona euro pudessem faltar aos compromissos – causando, desse modo, as mesmas consequências terríveis – começou a dissipar-se.

Se a Europa pode evitar uma depressão profunda, isso depende da forma como lidará com estes dois aspectos da crise. Mas se a Europa, como um todo, puder evitar décadas perdidas de crescimento económico, o que ainda persiste na balança, isso depende se os governos do Sul da Europa conseguem restaurar rapidamente a competitividade.

O processo, pelo qual o Sul da Europa se tornou pouco competitivo em primeiro lugar, foi conduzido pelos sinais dos preços de mercado – pelos incentivos que esses sinais lançaram aos empresários e pela forma como as respostas racionais de cada empresário se desenrolaram em termos macroeconómicos. Os europeus do Norte, com dinheiro para investir, estavam dispostos a emprestá-lo, com extraordinárias condições de pagamento, a quem quisesse gastá-lo no Sul e o vasto poder de compra pré-2007 fez com que as entidades patronais tivessem vontade de aumentar os salários rapidamente.

Como resultado, o Sul da Europa adoptou uma configuração económica em que os níveis dos salários, dos preços e da produtividade faziam sentido, contando que gastasse 13 euros por cada 12 euros que ganhasse, com o Norte da Europa a financiar o euro em falta. O Norte da Europa, entretanto, adoptou níveis salariais e de produtividade que faziam sentido, contando que gastasse menos de um euro por cada euro que ganhasse.

Agora, se, como parece ser o caso, a Europa não quer que o Sul gaste mais do que ganha e que o Norte gaste menos, então, os salários, os preços e a produtividade têm de mudar. Se não olharmos para a geração anterior e lamentarmos as décadas “perdidas”, os níveis de produtividade da Europa do Sul precisam de subir em relação aos níveis da Europa do Norte; e os níveis dos salários e dos preços precisam de descer em cerca de 30%, para que o Sul possa pagar a sua caminhada com exportações e para que o Norte da Europa possa gastar os seus proventos nesses produtos.

Se a intenção é preservar o euro, e evitar a estagnação, cinco medidas políticas poderiam ser tomadas:

1) o Norte da Europa poderia tolerar uma inflação mais alta – uns dois pontos percentuais extra, durante cinco anos, iriam tratar de um terço do total ajustamento Norte-Sul;
2) o Norte da Europa poderia expandir a democracia social, ao tornar os seus Estados-providência mais generosos;
3) o Sul da Europa poderia reduzir os seus impostos e serviços sociais substancialmente;
4) o Sul da Europa poderia reconfigurar as suas empresas para se tornarem motores da produtividade;
5) o Sul da Europa poderia impor a deflação.

A quinta opção talvez seja a menos sábia, pois implica as décadas perdidas e o colapso da UE que a Europa está a tentar evitar. A quarta opção seria maravilhosa; mas, se alguém soubesse como elevar as empresas do Sul da Europa até aos níveis de produtividade das do Norte, isso já teria acontecido.

Sendo assim, resta-nos uma combinação das três primeiras opções, também conhecida como “políticas para relançar o crescimento na Europa” – uma frase que surge em cada comunicado internacional. Mas os comunicados nunca entram em pormenores. Os tecnocratas da Europa compreendem o que é que a adopção de “políticas para relançar o crescimento na Europa” significa. Pelo menos alguns dos políticos europeus. Mas os eleitores europeus não compreendem, uma vez que os políticos temem que explicar as políticas limitaria o avanço das suas carreiras.

Mas se a Europa não adoptar algum tipo de combinação das três primeiras opções, como sendo objectivos políticos dos próximos cinco anos, terá de enfrentar uma dura escolha: ou perder décadas para o Sul da Europa (e, quem sabe também para o Norte da Europa) ou continuar com os desequilíbrios de pagamento Norte-Sul que terão de ser financiados por meio de transferências fiscais – ou seja, sobrecarregando o Norte.Os políticos do Norte da Europa deveriam ser mais explícitos sobre o que realmente significam as “políticas para relançar o crescimento na Europa”. Caso contrário, daqui a dez anos, serão obrigados a confessar que a hesitação de hoje obrigou a enormes obrigações fiscais adicionais no Norte da Europa. Algo que poderá vir a ser o ultimato para o falhanço de uma carreira.

Tradução: Deolinda Esteves/Project Syndicate

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